Qual a diferença entre o agente marítimo e do agente de carga no comércio internacional – parte 2

Continuaremos a discorrer sobre ese tema interessante, alvo de um artigo sobre a definição dos papéis do agente de cargas e o agente marítimo, boa leitura.

O Agente de Carga

No Brasil, o conceito de agente de carga tem sido usado de forma bastante dilatada, entretanto, deveria ser um conceito mais enxuto, a fim de evitar confusão e equívocos com outros players envolvidos no transporte de cargas.

Para propor um conceito ideal de agente de carga, faz-se necessário analisar aqueles intervenientes que guardam similaridade e com os quais eventualmente possam ser confundidos (MARTINS, 2013). Em 1984, diante do desejo e da necessidade de exportação de mercadorias apresentada por pequenos empresários americanos, o governo dos Estados Unidos da América criou a figura do Non-Vessel Operating Common Carrier – mais comumente conhecido pela sigla NVOCC, através da edição do Shipping Act nº 04 de 1984, justamente com o propósito de difundir e incentivar a atividade de exportação pelos pequenos embarcadores. O NVOCC é conhecido como “transportador comum não operador de navio”, contemplado na doutrina como transportador contratual, também chamado de “armador sem navio”.

A atividade do NVOCC é realizada perante um grande, ou vários pequenos embarcadores. Quando é contratado por apenas um grande embarcador que consegue, com sua carga, encher um container por inteiro, diz-se que o transporte realizado é Full Container Load (FCL); mas quando o NVOCC necessita de vários pequenos exportadores para completar a capacidade de um container, o transporte realizado é o Less Then Container Load (LCL).

No transporte FCL, é disponibilizado um container a apenas um embarcador. Já no LCL, são reunidas mercadorias de vários pequenos exportadores até a capacidade total do container. Em ambas as modalidades, ele emite um conhecimento de transporte, o chamado House Bill of Lading, que no Brasil é conhecido como “Conhecimento Agregado ou Filhote”. Com a emissão do BL Filhote, o NVOCC assume uma obrigação de resultado, ou seja, deve entregar a carga intacta no porto de destino.

Por sua vez, o armador emite o denominado BL Master ou Conhecimento Mãe em nome do NVOCC. Daí, conclui-se que o NVOCC é o responsável perante o embarcador/exportador, e o armador que emite o Bill of Lading Master assume a responsabilidade perante o NVOCC (MARTINS, 2013). Importante perceber que até a criação do NVOCC, o trabalho de consolidação de carga de vários produtos pertencentes a diferentes embarcadores em um mesmo container era afeto ao armador na qualidade de Ship Convenience.

A partir do 5Shipping Act nº 4, o desenvolvimento deste trabalho passou a ser função do NVOCC. A douta professora Eliane M. Octaviano Martins (2013, p. 332-333), em sua obra “Curso de Direito Marítimo – Teoria Geral”, diz que: O NVOCC atua, usualmente, como agente consolidador (consolidator). Considera-se consolidação de carga o acobertamento de um ou mais conhecimentos de carga para transporte sob um único conhecimento genérico, envolvendo ou não a unitização da carga.

No Brasil, a definição de NVOCC foi dada inicialmente pela Resolução nº 9.068 de 1986, da extinta Superintendência Nacional da Marinha Mercante (SUNAMAM), que dizia ser o NVOCC um operador de transporte não armador, um Non-Vessel Operating Common Owner. Já a Instrução Normativa (IN) nº 800, da Receita Federal do Brasil (RFB), editada em dezembro de 2007, traz no parágrafo único do artigo 3º a definição de NVOCC como sendo “O consolidador estrangeiro é também chamado de Non-Vessel Operating Common Carrier (NVOCC)”. (BRASIL, 2017, n. p.).

O NVOCC desempenha, deste modo, uma gama de funções, conforme se vê nos ensinamentos de Martins (2013, p. 332-333): O agente consolidador reúne, em um mesmo despacho consolidado, cargas separadas e encarrega-se de tratar do embarque das mercadorias, da vistoria dos produtos, dos desembaraços alfandegários, da programação de embarque, da preparação de documentos de embarque e sua legalização, arquitetando o transporte e o engajamento do espaço no navio.

O NVOCC viabiliza a movimentação da carga de ponto a ponto, e se torna responsável por ela perante o embarcador quando da emissão do conhecimento de transporte, ainda que Filhote, ou House BL, conforme dito anteriormente. A expedição do BL Filhote, e a assunção de responsabilidades perante o exportador, deixa claro que o NVOCC não pode e nem deve ser tratado simplesmente como um consolidador estrangeiro, na medida em que também realiza o transporte, ainda que por meio de terceira pessoa.

Conclui-se, assim, pela impropriedade do conceito constante na IN 800/2007 da RFB, já que a atividade de fato desempenhada pelo NVOCC vai além da consolidação de cargas. Ele é de fato um transportador contratual sem navio, e assume obrigações de resultado advindas do contrato firmado com o exportador (SONS, 2021). Em razão da obrigação de resultado advinda do contrato de transporte, é possível entender que o ofício do NVOCC consiste na movimentação de mercadoria de ponto a ponto, pois consolida a carga, emite um Conhecimento Filhote, e usa navio de terceira pessoa para concretizar o transporte propriamente dito; o que encontra amparo na Resolução nº 18/2017 da ANTAQ, art. 2º, inciso II, alínea b, como já mencionado.

Da reflexão feita a partir da atividade desenvolvida pelo NVOCC, bem como da análise conceitual apresentada e das responsabilidades assumidas, compreendese que o NVOCC tem natureza jurídica de transportador, sendo responsabilizado contratualmente de forma objetiva, nos moldes previstos no art. 730 do Código Civil Pátrio. Outro player sobre o qual é importante escrever, são os freight forwarders, também chamados de “transitários da carga”, que no Brasil não contam com uma legislação própria.

Mas a Resolução nº18/2017 da ANTAQ, define o agente transitário na alínea ‘a’, do inciso II do art. 2º da seguinte forma: 6[…] todo aquele que coordena e organiza o transporte de cargas de terceiros, atuando por conta e ordem do usuário no sentido de executar ou providenciar a execução das operações anteriores ou posteriores ao transporte marítimo propriamente dito, sem ser responsável por emitir conhecimento de carga ou Bill of Lading – BL (BRASIL, 2017, n. p.). Os freight forwarders desempenham atividade de transporte conhecida como “porta a porta”, ou seja, eles cuidam da retirada da mercadoria da fábrica e fazem chegar ao cliente final.

Como bem aponta Eliane Octaviano (2013, p. 335), em seu Curso de Direito Marítimo: Efetivamente, os freight forwarders viabilizam a contratação do frete, fazendo com que a carga tenha seguimento de sua origem até o seu destino final, inclusive assumindo os procedimentos e os trâmites atinentes ao desembaraço, ao embarque e desembarque no destino até a entrega ao cliente final.

Possível verificar, então, que a atividade dos freight forwarders é muito mais ampla do que a do NVOCC, que consolida várias cargas em um único embarque, contrata o transporte com o armador, emite o conhecimento de transporte agregado e, com isso, torna-se, por força de contrato, responsável perante o exportador pelo transporte marítimo ponto a ponto, e não porta a porta, como os freight forwarders, que se valem do transporte multimodal para colocar a mercadoria na mão do cliente final. Importante destacar, que ao contrário do NVOCC, os freight forwarders, não emitem o conhecimento de transporte, o House Bill of Lading.

Normalmente, os freight forwarders são grandes grupos econômicos formados por empresas multinacionais de médio ou grande porte, capazes de transportar a carga utilizando os modais mais apropriados, disponíveis para que o cliente receba o produto em sua porta, não precisando terceirizar nenhuma perna do transporte. Nos países de common law, os freight forwarders tanto podem ser considerados como intermediários do contrato de transporte, ou como o próprio transportador, visto que prestam além dos serviços atinentes ao transporte propriamente dito, os serviços afetos às questões fiscais, à logística, aduana e contratação de seguros.

No Brasil, porém, possuem natureza jurídica de transportadores (MARTINS, 2013). Após esta reflexão a respeito destes dois players de suma importância no transporte marítimo, passa-se à análise do agente de carga, para um completo entendimento das atividades, conceitos e natureza jurídica de todas estas figuras. Em relação ao agente de carga, assim como aos outros players mencionados, não há uma Lei strictu sensu que regulamente tal atividade, e sim normas legais que tratam do conceito de agente de carga.

A mais antiga definição do agente de carga é o Decreto-Lei nº 37 de 1966, que em seu art. 37, §1º, traz o seguinte: “O agente de carga, assim considerada qualquer pessoa que, em nome do importador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos”. (BRASIL, 1966, n. p.). Tem-se, ainda, o art. 3º da IN 800/2017 da RFB, ao enunciar que “O consolidador estrangeiro é representado no País por agente de carga;” e no art. 2º, inciso IV, alínea ‘e’ do §1º alude que quando se tratar de consolidador ou desconsolidador nacional, o agente de carga é uma espécie de transportador. (BRASIL, 2017, n. p.).

Analisando tais conceitos, constata-se que definem o agente de carga como um representante do importador ou do exportador, e que quando atua como 7consolidador/desconsolidador é tido como um transportador. Cabe fazer algumas considerações a respeito destas definições. Para bem definir a figura do agente de carga, é necessário entender qual o seu papel no transporte marítimo. No artigo intitulado “Agente de Cargas”, de Moromizato Júnior et al. (2018, p. 37-40), dizem que a atividade do agente de carga consiste nas: Garantias e controle dos prazos para embarques, manuseio de cargas (guarda e armazenagem), estufagem, movimentação do contêiner para o costado do navio, bem assim dos contêineres vazios ao depot. A atividade dos agentes de carga tem como foco específico a movimentação, em si, das mercadorias.

O agente de carga desempenha ainda o papel de desconsolidador da carga e de outras funções que sejam auxiliares ao transporte, devendo estar devidamente registrado no sistema da Marinha Mercante para atuar efetivamente na importação/exportação, visto que atualmente a RFB dispensa o uso de documentos físicos. Seguindo esse entendimento, a atividade desempenhada pelo agente de carga não é um representante do importador ou do exportador, consoante o que traz o Decreto n° 37/66, e sim um representante do NVOCC, o que encontra abrigo no art. 3º da IN 800/2007 da RFB.

Dita representação se dá através de um documento denominado “Carta de Apontamento”, com a qual representa o NVOCC perante as autoridades aduaneiras, RFB, armadores e empresas privadas. Vale reiterar que o agente de cargas não se confunde com o agente marítimo, que desempenha uma função muito mais ampla, e age em nome do armador, conforme já visto. Por se tratar de mandatário, o agente de carga tem responsabilidade de meio, e não de resultado, não respondendo civilmente pelos atos praticados em nome do mandante, conforme preleciona o Código Civil Brasileiro.

Com esta análise da ocupação do agente de carga, conclui-se que ele não tem natureza jurídica de transportador, e sim de mandatário, visto que age em nome do consolidador estrangeiro e representa seus interesses no território nacional.

Conclusões

O tema proposto neste artigo traz a perspectiva de atuação do agente de carga e do agente marítimo, como atores cruciais para o funcionamento adequado do comércio exterior brasileiro, e possuem papéis distintos, nos quais navio e carga não se confundem. O agente marítimo é o elo imperativo no diálogo entre o armador e demais figuras que se relacionam com o navio, quando da sua atracação.

O sistema Porto sem Papel é imprescindível na prestação de informações referentes à estadia dos navios nos portos brasileiros, reunindo as agências marítimas e demais órgãos intervenientes do setor. Já o agente de carga é um mandatário do consolidador estrangeiro, sendo um representante, não podendo ser responsabilizado objetivamente. Observou-se que em diversas situações, ambos trabalham de forma complementar, em etapas e metas diferentes no curso de entrega da carga.

O contratante do agente marítimo é, por muitas vezes, o armador, ou carrier, responsável por fazer prevalecer seus interesses, mas não pode ser responsabilizado pelos atos do armador. 8Porém, resta claro que os exportadores, os importadores, as empresas e os despachantes aduaneiros, confiam no papel tanto do agente marítimo quanto do agente de carga, para a efetivação de seus lucros e suas metas comerciais.

As autoridades públicas também contam com o auxílio de ambos para o cumprimento dos procedimentos que envolvem a atracação, operação, desatracação até a entrega das mercadorias ao seu ponto final, certificando a importância destes atores no ordenamento jurídico das instituições marítimas internacionais.

Sobre as Autoras:

1- Junia Belizário dos Santos: graduada pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, em dez/1994, especialista em Ciências Criminais pela mesma universidade, cursou especialização em direito tributário e direito aduaneiro, pós graduanda em direito marítimo e portuário pela Maritime Law Academy, advogada atuante. ORCID: https://orcid.org/my-orcid?orcid=0000-0002-9795-6310

2- Najla Buhatem Maluf: é formada pela Escola Americana da Suíça-TASIS; em Política Internacional pela University of South Florida e Direito pelo Centro Universitário de Brasília-UniCeub; foi assessora no Conselho das Américas-Washington DC; foi Assessora Internacional da ANTAQ e no Senado Federal na Comissão de Infraestrutura; é Sócia do Rachid Maluf Advs; é Presidente da Comissão de Direito Marítimo/Portuário OABMA; Profa e Pós Graduada em Direito Marítimo e Comércio Exterior pela MLAW Academy; é Subprocuradora da Assembleia Legislativa do MA, integrante dos Conselhos do Fórum Brasil Export de Logística e Infraestrutura, sócia da Womens´Shipping and Trading Association. ORCID: https://orcid.org/my-orcid?orcid=0000-0001-9444-8946 9

Referências

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