Como a logística funcionaria no METAVERSO? Parte 1

Como a logística funcionaria no METAVERSO?  Parte 1

(Matéria originada na Logweb) Não é de hoje que a ficção científica retrata conceitos futurísticos que, na maioria das vezes, viram realidade.

Desde desenhos animados, como “Os Jetsons”, até blockbusters, como “De Volta Para o Futuro”, vemos, perplexos, conceitos que fizeram parte da imaginação se tornarem realidade. Neste sentido, o filme “Jogador Número 1” traz uma ótima ideia do que é esse mundo virtual chamado metaverso e deve estar na lista de quem quer ter uma ideia visual do que é esse conceito.

“Estamos falando de uma nova revolução industrial que, como todas as outras, mudou os aspectos de vida humana, só que desta vez através de realidade virtual – quando estamos imergidos completamente dentro de um mundo digital –, realidade aumentada – quando os aspectos do mundo virtual são trazidos ao real pelo uso de óculos especiais – e telemetria – quando sensores levam ao metaverso características da nossa realidade, como temperatura, umidade e vibração. Em outras palavras, o metaverso é uma representação virtual do mundo real onde todos poderão interagir, comprar, curtir e trabalhar através de seus avatares”, afirma Stelmo Carneiro Neto, Head of Operations da Dover Fueling Solution.

Edgard Cornacchione, professor titular da FEA/USP e presidente da FIPECAFI, também coloca que o metaverso é um conceito que extrapolou a ficção científica e, há décadas, vem se fundamentando. Trata-se de um ambiente virtual, ou um “mundo virtual” que possui algumas associações diretas com nosso mundo real e outras que vão para além desses limites.

 

Cornacchione, da FIPECAFI

Neste mundo virtual, pessoas (reais ou não) e organizações (reais ou não) interagem, em espaço e tempo controlados, entre si e com recursos de interesse. Aqui reside o grande apelo do metaverso: expandir os processos interativos, sociais e econômicos que podemos experienciar.

“Há mais de 20 anos a Linden Labs desenvolvia o Second Life. Considero-o um dos mais importantes precursores do movimento que vivemos atualmente. Já havia sido materializado o conceito de avatar, de moeda virtual (Linden Dollar, L$), espaço virtual (terras, como as ilhas), recursos para construção de ativos (exemplo, prims) e um marketplace para viabilizar transações. O metaverso atual se configura com base nestes mesmos princípios, porém com enorme vantagem pelas tecnologias atuais de software (por exemplo linguagens de programação), hardware (como processadores, óculos de VR/AR), telecomunicações (como 5G) e infraestrutura de segurança (blockchain) que também favorecem os meios de pagamentos (como as criptomoedas) e registro de propriedade de ativos, utilizados no metaverso”, pontua Cornacchione.

Já Eliane El Badouy Cecchettini, associate partner da Inova Consulting para Futuro, Tendências & Consumer Insights, coloca que, desde que o Facebook anunciou a mudança do seu nome para Meta (do grego, “além de”), o metaverso foi empurrado da obscuridade da ficção científica para o centro das atenções.

 

 

 

Eliane, da Inova Consulting

 

Metaverso é um conceito que existe há mais de três décadas, diz Eliane. Em 1992, o escritor americano Neal Stephenson cunhou o termo em seu livro “Snow Crash”. Nessa obra, um jovem entregador de pizza no mundo real se transforma em um príncipe guerreiro no metaverso. A partir de então essa ideia de poder viver outras vidas, simultaneamente à atual, começou a atrair adeptos, principalmente entre o público geek e gamers. Em 2003 tivemos uma versão beta do metaverso com o “Second Life”, que teve um hype inicial, mas perdeu a relevância por fatores que iam desde limitações tecnológicas até a falta de identidade com os usuários que não se viam naqueles avatares bastante “toscos”.

De lá para cá passamos a viver uma conjunção de fatores que nos conduzem ao metaverso. A evolução tecnológica como um todo, o lançamento dos smartphones, o aumento da velocidade da internet (4G e 5G), a explosão das mídias sociais combinada à uma infinidade de filtros, melhorias gráficas decorrentes da expansão dos games e a introdução da Realidade Aumentada (RA) e de devices de Realidade Virtual (RV).

“Aliás – continua a Associate Partner da Inova Consulting –, as mídias sociais foram o nosso aquecimento, nosso treinamento para o metaverso, porque é o lugar onde todos querem se mostrar mais bonitos, mais ricos, mais felizes, independente da realidade que estejamos vivendo no nosso dia a dia. Os filtros e recursos gráficos nos deixam mais bonitos.

 

 

Mudamos a paisagem em que somos fotografados porque queremos ambientes ‘instagramáveis’. Enfim, tudo isso para passarmos a ser o objeto do desejo de outras pessoas. O metaverso é, definitivamente, onde esse tipo de desejo se transforma na realidade perceptual definitiva. Um universo muito mais abrangente do que existia até bem recentemente, adicionando inúmeras camadas que ampliam a experiência humana.”

Enquanto no plano físico a máxima é “Seja tudo o que você puder”, no metaverso é “Seja tudo o que você quiser, tudo o que você imaginar”. Essa pequena mudança semântica muda tudo na cabeça das pessoas, na capacidade que cada um tem de se ver nesse mundo. E o metaverso pode ser um ambiente mais adequado para acomodar essas aspirações. Importante destacar que a pandemia, que ainda estamos vivendo, tem sido nosso test-drive global para esse ambiente porque aumentamos consideravelmente nosso tempo conectados.

“À medida que passamos mais de nossas vidas on-line, fica cada vez mais difícil distinguir a vida ‘real’ da vida vivida digitalmente. Como disse o professor de antropologia da University College London, Daniel Miller: ‘O smartphone não é mais apenas um dispositivo que usamos. Tornou-se o lugar onde vivemos’”, completa Eliane.

Também falando em metaverso e tecnologia, Antonio Wrobleski, presidente do Conselho de Administração da Pathfind, lembra que, efetivamente, o metaverso explodiu nesses últimos tempos, em um passado muito recente – com a compra, pela Microsoft, da Blizzard, com um investimento de quase U$ 70 bilhões. A Blizzard é a maior rede de softwares de usuários de jogos no mundo, com cerca de 400 milhões de usuários, e a Microsoft, que tem 25 milhões de usuários, passa agregar esse universo monstruoso a ela.

 

Wrobleski, da Pathfind

 

 

De fato, como completa Arthur Igreja, TEDx speaker, metaverso é um ambiente digital, tridimensional, imersivo e colaborativo. É mais do que uma rede social, mais do que um jogo, mais do que uma experiência online planificada em 2D. É uma interação onde as pessoas convivem, jogam, compram. Com essas características se tem inúmeras possibilidades, existem os mundos onde as empresas vendem terrenos para que as marcas instalem lojas e fazem publicidade. É possível ter ambientes de cocriação, onde os jogadores ajudam a construir o próprio jogo, a narrativa e o entretenimento. É um mundo com menos amarras.

“O metaverso é uma nova realidade que chega para ficar e está impactando a forma como que as empresas têm pensado no futuro dos negócios. Esse mundo totalmente virtual, que replica o mundo físico de forma realista, com uma experiência imersiva e surpreendente, vai mudar a forma como nos relacionamos e como gerimos nossos negócios”, completa Lyana Bittencourt, CEO do Grupo Bittencourt.

Mudanças

“A questão já não é quais mudanças o metaverso trará aos negócios, e sim o que já está trazendo, mesmo que de maneira ainda descentralizada. Reuniões são realizadas on-line, assinaturas são feitas digitalmente, inspeções de imóveis são registradas com o uso de câmeras e monitoramento de cargas são feitos em tempo real. Agora imagine tudo isso integrado e sendo parte de um ambiente 3D em que sejamos capazes de ‘caminhar’ e que nos permita essas interações. Estamos falando de maior agilidade, abrangência e controle de processos, que trarão possibilidades de negócios mais rápidos e eficientes”, coloca Carneiro neto, da Dover.

Arthur Igreja também destaca que a principal mudança é que o metaverso é mais um canal, não é o extremismo de que “agora as pessoas só vão viver nesse ambiente”. As pessoas poderão escolher suas interações, sejam no metaverso, em aplicativos de texto, de voz, de vídeo, de jogos. Trata-se de mais um canal de comunicação, um ambiente de trabalho e diversão.

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“Vai impactar os negócios nessa medida, pois as pessoas vão interagir entre si e com as empresas. Então, temos a criação e a venda de itens para serem usados no metaverso e também a ponte entre o metaverso e o nosso universo. O impacto nos negócios é importante. As pessoas podem fazer reuniões e estar se vendo, só que elas escolhem o ambiente, o que evita gastos com viagens – o metaverso amplifica a experiência de apenas estar com a câmera aberta. Teremos arquitetos, engenheiros e designers específicos para o metaverso, roupa do metaverso. É um novo mundo”, diz o TEDx speaker.

Wrobleski, da Pathfind, coloca que a mudança imposta pelo metaverso é a mesma que está acontecendo hoje, quando você faz negócio via teams, google meets ou coisa parecida, ou seja, você já consegue estar muito mais presente, mesmo estando distante, e falar ao mesmo tempo com quarenta ou cinquenta pessoas: essa é a grande mudança no meio dos negócios. “O metaverso, essa versão digital do mundo real, tem no mercado de games suas nascentes tanto tecnológicas quanto comerciais, que abrem um delta fértil para novas formas de consumo, de interação e de fazer negócios.”

Ainda segundo Eliane, da Inova, o G-Commerce, que é a transição do varejo para os games, trouxe a popularização de moedas digitais, como o Bitcoin e o Ethereum, e os NFTs (Non Fungible Tokens), um registro digital da posse de determinado bem, seja ele real ou virtual. Ou seja, pode representar imóveis, itens colecionáveis, uma medalha olímpica, um assento de um evento esportivo, ou até mesmo um post nas redes sociais. No metaverso, o NFT é responsável por registrar ativos digitais únicos. No universo digital, o NFT pode representar personagens do jogo, terrenos, poderes mágicos, móveis, outdoors, e tudo que for exclusivo.

Permite que os usuários e empresas criem e negociem livremente itens nos mercados de NFT, ou seja, confere ao metaverso uma nova dimensão, interligando o mundo real com o virtual. Esses ativos digitais globais permitiriam de maneira rápida e fácil a troca de mercadorias em escala global e reduziriam a fricção causada por intermediários como bancos, operadoras de cartão de crédito e complexos sistemas de pagamento. Como os gamers, os jogadores fazem compras nesses ambientes virtuais. Aqui a ideia de posse é diferente. A posse virtual é um fenômeno, e tem no NTF a sua extensão máxima. Ou seja, essa posse representa investir dinheiro em experiências cada vez mais imersivas, isoladamente ou com outros jogadores e em “objetos” virtuais, que só existem e são legítimos digitalmente.

Eliane lembra que praticamente tudo que fazemos no mundo físico faremos no metaverso, usando um device de visão, que pode dar maior qualidade imersiva. “Estamos replicando nossas rotinas, interesses e obsessões em mundos digitais. Desde escolher roupas para nossos avatares usarem e carros para eles dirigirem até promover relacionamentos virtuais e intimidade; de zonear terrenos digitais e construir casas virtuais até sediar reuniões holográficas para buscar o fascínio de uma sociedade mais justa e inclusiva a encontrar amigos no shopping virtual. À medida que nossos hábitos evoluem, estamos superando os limites da internet como ela foi criada – precipitando uma nova era de plataformas digitais. Assim, há uma correlação entre objetos colecionáveis no ambiente digital que poderão, sim, tornar-se reais a partir da sua adoção intensa no metaverso.”

Segundo projeções da Bloomberg, o metaverso deve movimentar US$ 800 bilhões até 2024. Entre os motivos, destacam-se: Não se limitar apenas a jogos, pois o comércio de bens e serviços ganhará espaço no mercado de NFTs; a venda de terrenos virtuais será cada vez mais frequente; empresas vão usar cada vez mais a tecnologia para despertar a identificação no público-alvo e trazer um senso de pertencimento. “Teremos cada vez mais marcas investindo no metaverso por um motivo simples: nunca foi tão barato produzir um objeto de desejo e ostentação”, diz a associate partner da Inova Consulting.

Nos últimos meses, o mercado de NFT, os ativos digitais únicos, cresceu de forma exponencial. A integração dos NFTs ao metaverso deu início à transformação de nossas interações nos mundos virtuais, com impacto em parte do mundo real.

Um bom exemplo é o mercado de luxo. A Gucci tem buscado alcançar novos consumidores no metaverso, no game Roblox. A estratégia utilizada é vender NFTs para avatares da edição limitada “Gucci Collection” dentro do game, que inclui bolsas, óculos e chapéus. Para se ter uma ideia, uma dessas bolsas da Gucci foi vendida por US$ 4,115.

De fato, Carlos Cesar Meireles Vieira Filho, conselheiro do Frotas & Fretes Verdes e da Aspen, lembra que o metaverso pode ser entendido como sendo um próximo paradigma tecnocomputacional da humanidade, onde poder-se-á experimentar, previamente, o que ocorrerá no mundo real. “Hoje já há experimentos onde marcas líderes e de renome projetam, ‘constroem’ modelos e comercializam seus produtos no mundo do universo meta. Isso trará uma dinâmica bastante diversificada do como é que realizamos negócios hoje.”

Cesar

Lyana, do Grupo Bittencourt, também ressalta que o metaverso muda tudo, não só no varejo, como nos negócios em geral. “Passa a existir um mundo tridimensional. Em que não teremos apenas um universo binário de físico e virtual, mas algo que faz a intersecção entre os dois mundos, o metaverso. A terceira dimensão, o terceiro lugar que passaremos a ocupar. E com isso, também um terceiro canal de vendas. Com essas interações multidimensionais as oportunidades passam a ser quase que infinitas.”

Cornacchione, da FIPECAFI, também coloca as mudanças trazidas pelo metaverso no presente. “Vejo que são mudanças associadas a cinco vetores mais relevantes: (a) mercado, (b) meios de pagamento, (c) experiência das partes, (d) registro de transações e (e) logística.”

Da mesma forma que testemunhamos a transição para o comércio eletrônico, o metaverso avança os limites e configura um novo conceito de mercado (ou marketplace). Antigamente, comprávamos flores de forma direta e física (indo a uma floricultura). Passamos a comprar por telefone, por meio eletrônico, e testemunhamos o conceito de consolidador, network business e marketplace, gerando uma ruptura brutal no segmento com maior eficiência, bem como desafios e oportunidades aos participantes do segmento. Este mesmo raciocínio pode ser desenvolvido nos mais diversos segmentos de mercado. O metaverso promove outro nível de ruptura ao permitir a construção de novos modelos de mercado neste mundo virtual, com bens e serviços virtuais ou reais. Ao potencializar a realidade virtual e, mais relevante, a realidade aumentada, a experiência do consumidor e sua jornada passam a alcançar outras dimensões de eficiência nos aspectos emocionais e racionais da transação.

Os meios de pagamento representam outro vetor importante dos impactos do metaverso, ainda segundo Cornacchione. Nos últimos anos, assistimos ao avanço das criptomoedas e tokens, chamando a atenção de reguladores, ao passo que o volume de usuários cresce a taxas altíssimas.

“Neste aspecto, destaco cinco características de meios de pagamento no metaverso: instantâneo, seguro para as partes, rastreabilidade, taxas de transação flutuantes e integração objetiva com contratos inteligentes (smart contracts), incluindo planos de pagamentos.”

É inegável o avanço que o metaverso traz no quesito da experiência dos agentes e das partes envolvidas em uma transação, permitindo expandir fronteiras atuais da economia digital. A qualidade da imersão audiovisual (e tátil, em breve) traz novos horizontes para encantar os agentes, ou mesmo viabilizar interações e transações. Espaço a ser ocupado em segmentos ou modelos ainda não plenamente viáveis nos padrões regulares dos negócios digitais, seja na cadeia do agronegócio, do comércio, de serviços, ou financeira. Exemplos diretos são o segmento imobiliário, de transportes, saúde, educação, alimentação e vestuário – em que os desafios de espaço, tamanhos e medidas, bem como de personalizações, têm um ótimo futuro à frente.

Lyana, do Grupo Bittencourt

As transações aproveitam soluções de infraestrutura tecnológica mais estáveis e atuais, notadamente apoiadas em blockchain, passando a ter processo mais seguro, veloz, com independência de controle (ou controle descentralizado) e registro, integração objetiva com contratos (inteligentes), bem como meios de pagamento mais seguros e universais. As carteiras de criptomoedas, a infraestrutura de blockchain (por exemplo, Ethereum) e os NFT (non-fungible tokens) oferecem maiores garantias e rastreabilidade, por meio de registros criptografados em cadeias, às transações.

Especificamente sobre logística, ao desenvolver os conceitos anteriores (mercado, experiência dos agentes, meios de pagamento e transações) o impacto em logística não é apenas direto, mas imediato. “Basta recordarmos os efeitos das transições exemplificadas com o caso das flores, descrito anteriormente. A logística do modelo de loja física para um modelo de pedidos a distância, por comércio eletrônico, consolidação do setor, business network e marketplace, em todos os casos representam impactos fundamentais nas cadeias logísticas, operadores, otimização e trade-offs logísticos. Pudemos testemunhar o enorme redesenho do segmento de logística, em busca de tal eficiência, e o fortalecimento econômico destas operações. Com a expansão destas variáveis no metaverso, o segmento de logística está sendo convidado a se reorganizar de forma rápida, buscando maior eficiência, construindo novos modelos e decidindo pelos melhores trade-offs”, diz o presidente da FIPECAFI.

Continua na próxima matéria…

 

 


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